O Reino Unido já está oficialmente fora da União Europeia, após 47 anos. Às 23 horas de Londres (20 horas em Brasília) passou a valer o Brexit, aprovado em um plebiscito há mais de três anos e meio, em 23 de junho de 2016.
Foram necessários 1.317 dias de espera, dois adiamentos, três primeiros-ministros e uma série de acordos rejeitados pelo Parlamento britânico até que a saída finalmente se concretizasse.
Brexit: veja a contagem regressiva e a festa em Londres após saída do Reino Unido da UE
Já durante a tarde, símbolos do Reino Unido foram retirados de órgãos da União Europeia, como o Parlamento e o Conselho Europeu, em Bruxelas, onde as bandeiras foram removidas horas antes da saída oficial (veja vídeo abaixo). Nesta sexta, o Reino Unido se tornou o primeiro país a deixar a UE desde sua criação.
Conselho e Parlamento Europeus removem bandeira do Reino Unido horas antes do Brexit
Em um pronunciamento uma hora antes da saída oficial, o primeiro-ministro Boris Johnson afirmou que o Brexit “não é um fim, mas um começo” e “um momento de renovação e mudança nacional”.
“Este é o momento quando começamos a nos unir e passamos de fase”, disse ainda, em tom otimista. “Este é o início de uma nova era na qual não aceitamos mais que as chances de sua vida – as chances da vida da sua família – dependam de que parte do país você cresceu”.
Segundo Johnson, é o momento de "usar esses novos poderes, essa soberania readquirida para oferecer as mudanças pelas quais as pessoas votaram".
"Seja controlando a imigração ou criando portos livres, libertando nossa indústria pesqueira ou fazendo tratados de livre comércio, ou simplesmente criando nossas leis e regras para o benefício do povo deste país".
O primeiro-ministro disse ainda que o bloco europeu se desenvolveu de uma forma que não serve mais para o Reino Unido, mas que a intenção é manter uma boa relação, mesmo fora da UE.
"Queremos que este seja o começo de uma nova era de cooperação amigável entre a UE e um Reino Unido energético, um Reino Unido que seja simultaneamente um grande poder europeu e verdadeiramente global em nosso alcance e nossas ambições", afirmou.
Apoiadoras do Brexit posam para foto em Parliament Square, Londres, na sexta-feira (31), Dia do Brexit — Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP
No Dia do Brexit, britânicos saíram às ruas para comemorar (ou lamentar) a separação e lotaram a Parliament Square, em Londres, onde se concentrou a festa do movimento Leave Means Leave. Em muitos pubs, com decoração lotada de bandeiras brancas, azuis e vermelhas do Reino Unido, grandes grupos também celebraram.
Ativistas contrários ao Brexit seguram velas durante vigília organizada pelo grupo de direitos civis New Europeans do lado de fora da Europe House, em Londres, no Dia do Brexit, na sexta-feira (31) — Foto: Isabel Infantes/AFP
Mas a saída oficial não significa que os britânicos não estarão mais conectados ao bloco europeu de um dia para o outro.
Apoiadores do Brexit se reúnem para comemorar a saída da União Europeia, em Londres, na sexta-feira (31) — Foto: AP Photo/Frank Augstein
Durante 11 meses, as duas partes ainda terão um período de transição, em que vários detalhes do relacionamento entre elas serão negociados. Entre os mais importantes estão:
- Circulação de cidadãos europeus e britânicos entre Reino Unido e União Europeia (incluindo regras de habilitação e passaportes de animais)
- Permissões de residência e trabalho para europeus no Reino Unido e britânicos na UE
- Comércio entre Reino Unido e União Europeia, tarifas de importação, livre circulação de mercadorias
- Questões de segurança, compartilhamento de dados e segurança
- Licenciamento e regulamentação de medicamentos
- Circulação de alimentos
Destas, a questão mais importante, sem dúvida, é a comercial, já que a UE respondeu por 49% das negociações do Reino Unido em 2019.
Apoiadores do Brexit agitam bandeiras do Reino Unido e do País de Gales perto da estátua de Winston Churchill, em Londres, no Dia do Brexit, na sexta-feira (31) — Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP
Se em 11 meses não for possível chegar a um acordo sobre livre comércio, a saída será sem acordo. O Reino Unido passa a seguir os termos da Organização Mundial de Comércio e produtores e importadores britânicos passam a pagar tarifas que hoje não existem para vender e comprar produtos europeus, além de serem sujeitos às mesmas regras que outros parceiros da OMC.
O primeiro-ministro britânico Boris Johnson confia na negociação de um acordo satisfatório para ambas as partes, mas já anunciou que não irá pedir nenhuma extensão no período de transição, e que este será encerrado dentro da data prevista – 31 de dezembro de 2020 – independente do resultado.
Mas, caso mude de ideia, as duas partes têm até 1º de julho para definirem uma extensão.
Os prós e contras do Brexit para o Reino Unido
Já nesta sexta-feira, o Reino Unido automaticamente deixou de fazer parte das instituições políticas europeias, como o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, não tendo mais direito a voto.
No entanto, durante o período de transição, continua contribuindo para o orçamento da União Europeia, precisa continuar seguindo suas regras e está sujeito às determinações da Corte Europeia de Justiça em caso de disputas legais.
Irlanda e Irlanda do Norte
Uma das questões mais delicadas do Brexit sempre foi a das Irlandas: enquanto a República da Irlanda – um país independente – permanece na União Europeia, a Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, deixa o bloco nesta sexta.
O acordo de paz de 1999, que pôs fim a três décadas de sangrentos conflitos entre os dois países, contempla a ausência de barreiras físicas entre os dois lados.
Desde aquele ano, pode-se cruzar a fronteira sem passar por nenhum controle físico. A venda de bens e serviços ocorre com poucas restrições, já que ambos os lados fazem parte do mercado comum europeu e da união aduaneira.
Atualmente não há uma fronteira rígida, com controle de mercadorias e passaportes, na fronteira entre Irlanda do Norte e República da Irlanda — Foto: Paul Faith/AFP
Mas, a partir desta sexta-feira, a fronteira entre as duas Irlandas passou a ser, na prática, a fronteira física entre a UE e o Reino Unido.
As negociações sobre como a questão irlandesa seria abordada no Brexit foram justamente o que emperrou os planos apresentados pela ex-premiê britânica Theresa May no Parlamento britânico, e o motivo pelo qual eles foram rejeitados.
O plano que Boris Johnson conseguiu acordar com a UE e aprovar no Parlamento prevê que não haverá novas checagens ou controles de mercadorias que cruzem a fronteira entre as duas Irlandas. Para isso, a Irlanda do Norte será uma exceção: continuará seguindo as regras da União Europeia em relação a produtos manufaturados e de agricultura, diferente do restante do Reino Unido.
Controle aduaneiro entre Irlanda do Norte e Grã-Bretanha — Foto: Arte/G1
Além disso, todo o restante do Reino Unido irá deixar a união aduaneira da UE, mas a Irlanda do Norte continuará aplicando o código alfandegário europeu em seus portos.
Com isso, produtos e processos terão novas checagens e processos não ao circular entre Irlanda do Norte e Irlanda, mas sim entre Irlanda do Norte e os outros países do Reino Unido: Inglaterra, País de Gales e Escócia.
O que o Reino Unido e a União Europeia ainda precisam discutir são a natureza e a extensão dessas checagens e processos, uma operação que será conduzida por um comitê conjunto, liderado por um membro da Comissão Europeia e um ministro britânico.
Durante o período de transição, até dezembro de 2020, haverá ainda um comitê exclusivo para discutir questões relativas à Irlanda do Norte.
E existe também um compromisso de que, caso não se chegue a um acordo ao final da transição, a Irlanda do Norte não será afetada pelas mesmas tarifas e barreiras comerciais que poderão ser impostas ao restante do Reino Unido pela União Europeia.
Inicialmente, o Brexit deveria ter acontecido em 29 de março de 2019, mas foi adiado por duas vezes, já que a ex-primeira-ministra Theresa May não conseguiu que o Parlamento britânico aprovasse o acordo de retirada que ela havia negociado com a União Europeia.
Manifestantes contra o Brexit comemoram resultado de votação no Parlamento, em Londres, após a derrota do acordo proposto pela primeira-ministra Theresa May — Foto: AP Photo/Frank Augstein
O desgaste causado pelas rejeições custou a ela o cargo, e May renunciou, sendo substituída por Johnson em junho do ano passado. Em sua primeira tentativa, o novo premiê também fracassou e não conseguiu aprovar um acordo.
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